O Modelo SHAC

Retirado da Anarchist Library, publicado originalmente pela CrimethInc. em primeiro de Setembro de 2008.

Dedico com carinho a todas e todes que pensam e agem contra as grandes empresas que fazem nossa terra e nossas comunidades sangrarem. Morte ao garimpo, morte as mineradoras, morte as madeireiras. Viva o povo auto organizado e a autodefesa popular.


“Nós estamos cientes desses ativistas, mas não sabemos até que ponto eles estão dispostos a ir.”

Warren Stevens, que apesar de ter jurado não recuar do investimento de 33 milhões de dólares que faria à Huntingdon Life Sciences, desistiu após encarar protestos nos seus escritórios em Little Rock e vandalismo na sua casa.

O número de ativistas não é grande, mas o impacto que eles possuem é incrível… É preciso compreender que essa é uma ameaça para todas as indústrias. Essas táticas podem se usadas contra qualquer setor da economia.”

Brian Cass, diretor da HLS

Onde todos os grupos de bem estar animal e a maioria dos grupos de direitos dos animais insistem em agir dentro da legalidade, abolicionistas da causa animal insistem que estados são irremediavelmente corruptos e que uma abordagem legal sozinha, nunca irá garantir justiça para os animais.”
– ALF

Na última década, Stop Huntington Animal Cruelty – SHAC – sustentou uma campanha internacional de ação direta contra a Huntington Life Science, a maior empresa europeia de testes em animais. Ao mirar em investidores e parceiros de negócio da HLS, a SHAC repetidamente levou a HLS à beira do colapso, e essa precisou de apoio direto do governo britânico e de uma contra-campanha internacional de repressão para manter a empresa funcionando.

Durante a campanha, haviam propostas de aplicar o modelo SHAC em outros contextos, como defesa ambiental e protestos anti guerra. Mas o que é exatamente o modelo SHAC ? Quais são suas forças e limitações ? É de fato um modelo efetivo ? E se sim, para o quê ?


Primeiro, um Glossário

Visto de fora, o círculo dos direitos dos animais pode ser difícil de compreender, mesmo para outros radicais. Por um lado, o foco intenso nessa única problemática pode contribuir para uma mentalidade mais isolada, ou mesmo míope; Por outro lado, existem incontáveis ativistas da causa animal que veem seus esforços como parte de um conflito maior, contra todas as formas de opressão.

Aqueles que não estão familiarizados com o funcionamento interno destes círculos frequentemente confundem as posições de facções opostas. Aceitando o risco de ser simplista, é possível identificar três escolas de pensamento distintas:

Bem-Estar Animal – A ideia de que animais devem ser tratados com piedade e compaixão, especialmente quando são usados para benefício humano como alimento e produção. Por exemplo, alguns ativistas do bem-estar animal fazem lobby no governo para a criação de leis mais humanas para o abate.
Exemplo: a Sociedade Humana dos Estados Unidos (HSUS)

Direitos dos Animais – A ideia de que animais têm seus próprios interesses e merecem uma legislação que os proteja. Aqueles que acreditam nos direitos dos animais comumente são veganos e se opõem ao uso de animais para o entretenimento, experiências, alimentos ou vestimentas. Eventualmente participam de protestos ou desobediência civil, mas geralmente acreditam em trabalhar de dentro do sistema, através de lobby, marketing, e o uso de mídias corporativas.
Exemplo: Pessoas pelo Tratamento Ético aos Animais (PETA)

Libertação Animal – A ideia de que animais não deveriam ser domesticados ou mantidos em cativeiro. Já que isso não é possível dentro da lógica do atual sistema social e econômico, abolicionistas da causa animal normalmente estão alinhados com o anarquismo, e podem quebrar leis para resgatar animais ou preservar seus habitats.
Exemplo: a Frente de Libertação Animal (ALF)[1]

Muitos grupos com foco no bem-estar e nos direitos dos animais criticam aqueles que se engajam em ação direta, argumentando que tais ações ferem a imagem de todos ativistas e afastam possíveis simpatizantes. Também é possível interpretar essas críticas como motivadas pela intenção de se criar uma base de simpatizantes ricos e pelo medo de ser alvo de repressão governamental. Além de não apoiarem ação direta, proibirem seus funcionários de interagirem com quem as faz, e não participar de conferências que incluam palestrantes mais militantes, organizações como a HSUS já agradeceram ao FBI por reprimir ações do campo da libertação animal. Em 2008, HSUS ofereceu uma recompensa de $2500 para qualquer um que desse informações que levassem a prisão das pessoas envolvidas em um incêndio criminoso, que segundo o FBI, possuía conexões com ativistas dos direitos dos animais.

[1] Diferente do HSUS e PETA, a ALF não é oficialmente uma organização, mas sim uma bandeira sob a qual agem células autônomas que não necessariamente têm conexões umas com as outras.


A História da SHAC: Origens do Outro Lado do Oceano

A campanha da SHAC começa no Reino Unido, após uma série de fechamentos de laboratórios de reprodução animal, onde se usou desde táticas de piquete a invasões da ALF, e confrontos com a polícia. Vídeos gravados secretamente dentro das instalações da HLS em 1997 foram exibidos na televisão britânica, mostrando os funcionários chacoalhando, agredindo e gritando com beagles no laboratório da HLS. Em Novembro de 1999, após ser ameaçado de processo, o PETA parou de organizar protestos contra a HLS, e a SHAC ganhou corpo para avançar a campanha.

Huntington Life Sciences era um inimigo mais formidável que qualquer empresário do ramo da criação de animais; a campanha SHAC foi uma escalada no ativismo pelo direitos dos animais no Reino Unido. A ideia era focar especialmente nas finanças da empresa, usando táticas que já haviam funcionado para fechar pequenos negócios, para liquidar toda a corporação. Ativistas agiram para isolar a HLS assediando qualquer um envolvido com qualquer empresa que fizesse negócio com eles. O papel da SHAC como uma organização era simplesmente de distribuir informação sobre potenciais alvos e reportar as ações conforme iam acontecendo.

Em Janeiro de 2000, ativistas britânicos publicaram uma lista dos maiores acionistas da HLS, incluindo aqueles que mantinham ações através de empresas de fachada, para se manterem anônimos; um deles inclusive, era do partido trabalhista britânico. Após duas semanas de manifestações organizadas, muitos acionistas venderam suas ações; finalmente, 32 milhões em ações foram postas na London Stock Exchanges por um penny cada e as ações da HLS despencaram. Nesse caos, o Banco Real da Escócia concedeu um empréstimo de 11.6 milhões de libras por apenas uma libra, na tentativa de se distanciar da empresa, e o governo britânico arranjou uma conta para eles no Banco da Inglaterra, pois nenhum outro banco queria aceita-los. O preço das ações da companhia, que valiam em torno de 300 libras em 1990, caíram para 1.75 em Janeiro de 2000, estabilizando em 3 no meio de 2001.

Em 21 de Dezembro de 2000, HLS foi retirada da Bolsa de Valores de Nova York; três meses depois, perdeu seu lugar na Bolsa de Valores de Londres também. HLS só foi salva da falência quando o seu maior acionista restante, o banco americano de investimentos Stephens, deu a companhia 15 milhões de dólares de empréstimo. Esse capítulo da história se encerra com a HLS movendo seu centro financeiro para os Estado Unidos para tirar vantagem das leis que permitem maior anonimato para os acionistas.

Nos EUA

Enquanto isso, nos EUA, as campanhas contra abate de animais que caracterizaram a maior parte do ativismo pelos direitos dos animais havia estagnado; as táticas de desobediência civil desenvolvidas nessas campanhas haviam chego a um limite, e muitos ativistas estavam em busca de novos alvos e estratégias. Uma facção dos grupos pelos direitos dos animais, exemplificada pela Vegan Outreach e DC Compassion Over Killing, passou a promover o veganismo. Ativistas mais militantes buscavam outras perspectivas. Alguns, como Kevin Kojnaas, que veio a se tornar presidente da SHAC USA, estiveram no Reino Unido nos anos 90, como militantes antiglobalização, e testemunharam o apogeu da campanha da SHAC britânica, e voltaram trazendo histórias inebriantes de ações do Reclaim the Streets.

A campanha da SHAC EUA surgiu do diálogo entre ativistas pelo direito dos animais em diferentes partes do país. Enquanto a campanha pela divulgação do veganismo buscava apelar para o mínimo denominador comum para convencer consumidores, a SHAC atraiu militantes que queriam fazer um uso mais eficiente de seus esforços individuais. Alguns argumentaram que era pouco provável que todo o mercado baseado em exploração animal fosse vencido pelo veganismo, mas praticamente todos concordavam que matar animaizinhos era intolerável.

A SHAC EUA teve início em Janeiro de 2001, no mesmo momento que Stephens Inc. salvou a HLS da falência. Stephens tinha sede em Little Rock, Arkansas, então alguns ativistas foram para lá para se mobilizarem. Em Abril, 14 beagles foram libertos do novo laboratório da HLS em New Jersey; no fim de Outubro, centenas de pessoas se reuniram em Little Rock para um fim de semana de manifestações na casa de Warren Stephen e escritórios da Stephen Inc. Na primavera seguinte, Stephens desligou a HLS, quebrando um contrato de cinco anos, após apenas um ano.

A SHAC se espalhou rapidamente pelos EUA, como uma campanha de tamanho e efetividade sem precedentes. Em parte, graças a seu financiamento superior [2], suas peças de propaganda eram brilhantes e empolgantes, como vídeos de divulgação que intercalavam imagens de violência contra animais com ações inspiradoras com uma trilha sonora de tecno acelerada. A campanha oferecia a seus participantes uma vasta gama de opções, incluindo desobediência civil, ligações, trotes, e rodas de conversa. Em contraste com os melhores dias do movimento antiglobalização, os alvos estavam espalhados, e disponíveis, por todo o mapa dos Estados Unidos. Os objetivos imediatos de forçar investidores específicos e parceiros comerciais de se desligarem da HLS, geralmente eram facilmente atingidos, dando uma sensação de gratificação imediata para os participantes.

Enquanto um indivíduo poderia se sentir insignificante em um protesto anti guerra com milhares de pessoas, se ela fosse uma das dezenas que participaram de um protesto na casa de um investidor que desistiu de apoiar a HLS, ele poderia sentir que conquistou algo concreto. A campanha SHAC ofereceu o tipo de conflito contínuo de baixa intensidade através do qual as pessoas puderam ser radicalizadas e desenvolverem um senso de poder coletivo. Fazer táticas de blacblock com seus amigos, escapar da polícia depois das manifestações, ouvir falas inspiradoras juntos, invadir escritórios gritando com megafones, ler sobre as atividades de outros ativistas na internet, a sensação de estar no lado vencedor de um esforço efetivo de libertação – tudo isso contribuiu para o sentimento de que a campanha SHAC era imparável.

[2] Diferente de muitos movimentos sociais, o movimento pelos direitos dos animais é apoiado por doadores ricos, e nós podemos assumir isso pois alguns deles doaram para a SHAC.

Ação

“A Carr Securities começou a fazer o marketing das ações Huntington Life Sciences. No dia seguinte, o Iate Clube Manhasset Bay, o qual certos executivos da Carr fazem parte, foi vandalizado por ativistas pelo direitos dos animais. Os extremistas enviaram uma nota ao site da SHAC assumindo a responsabilidade, e três dias depois do incidente a Carr encerrou seus negócios com a HLS.”
– John Lewis, Diretor assistente de Monitoramento do FBI do assim chamado “Eco-terrorismo”.

Ação direta contra os parceiros da HLS tomou inúmeras formas, ocasionalmente escalando para incêndios criminosos e violência. Em Fevereiro de 2000, Brian Cass, o diretor da HLS foi hospitalizado após levar uma surra de cabo de machado em sua casa. Em Julho daquele ano, os Piratas Pela Libertação Animal afundaram o iate de um executivo do Banco de Nova York, e o banco logo cortou seus laços com o laboratório. Um ano depois, bombas de fumaça foram lançadas contra os escritórios da Marsh Corp em Seattle, causando a evacuação do arranha-céu e o fim de sua relação com a HLS. No Outono de 2003, um dispositivo incendiário foi deixado nas empresas Chiron e Shaklee, por estarem associadas a HLS. Em 2005, a corretora Canaccord Capital, com sede em Vancouver, anunciou que estava encerrando sua parceria com a Phytopharm PLC, em resposta a uma ataque incendiário ao carro de um executivo da Canaccord, Phytopharm vinha fazendo negócios com HLS. Tudo isso acontecendo em um cenário de constantes ações de menor escala.

Em Dezembro de 2006, HLS foi impedida de ser listada na Bolsa de Valores de Nova York, algo sem precedentes que resultou em uma propaganda de página inteira no The New York Times, mostrando um caricatura de um ativista, de jaqueta de couro e balaclava, declarando “Eu controlo Wall Street”[3]. Em 2007, oito empresas cortaram relações com a HLS, incluindo seus dois maiores investidores, AXA e Wachovia, após protestos na casa de acionistas e visitas da ALF na casa de executivos. Em 2018, dispositivos incendiários foram deixados de baixo de caminhões da Staples e lojas da empresa foram vandalizadas. Ao longo da campanha, cerca de 250 empresas desistiram da HLS, incluindo o Citibank, a maior instituição financeira do mundo; HSBC, o maior banco do mundo; Marsh, a maior seguradora do mundo; e o Bank of America.


Mantendo o Ritmo

É interessante comparar a trajetória da campanha SHAC com o que chamamos de movimento antiglobalização. Os dois começaram no Reino Unido antes de engrenar nos EUA. A SHAC foi fundada na Inglaterra no mesmo mês dos protestos históricos do WTO em Seattle; começou a ganhar aderência na América do Norte no rastro do fim das mobilizações anti-globalização e manteve impulso após a ala antiglobalização do movimento nos EUA colapsar, nos dias que seguiram o 11 de Setembro de 2001.

Como a campanha SHAC foi capaz de manter seu ritmo enquanto praticamente todas as outras campanhas baseadas em ação direta naufragaram ou foram cooptadas por liberais ? Podemos encontrar lições sobre como lidar com crises, baseadas nesse exemplo ?

Ativistas da SHAC se diferenciavam de participantes da maioria dos outros movimentos sociais por não considerarem que precisavam de uma boa imagem na mídia, nem entediam uma cobertura negativa como algo ruim. Seus objetivos eram aterrorizar corporações até desistirem de fazer negócios com a HLS, não converter outras pessoas para a causa da libertação animal. Quanto mais destemidos e malucos eles pareciam ser nos jornais, mais fácil seria intimidar potenciais investidores e parceiros de negócio. Em outros círculos, ativistas temiam que o pânico da Guerra ao Terror facilitasse que o governo os isolasse, se associados ao terrorismo; para SHAC, quanto mais perigosos e extremos parecessem, melhor.

No fim, tudo isso voltou para os assombrar, quando os organizadores mais influentes foram levados a julgamento e a promotoria facilmente os retratou como representantes de uma rede clandestina de terroristas. Nesse sentido, a maior potência da campanha SHAC – a relação entre organização pública e secreta, a temível reputação – também se mostrou como seu calcanhar de Aquiles. A lição parece ser que essa abordagem pode ser efetiva em uma escala pequena, desde que os organizadores não provoquem confrontos com forças muito mais poderosas que eles mesmos. Com relação a cobertura midiática, talvez nos seja instrutivo observar como os organizadores da SHAC abordavam essas questões. Os porta-vozes da SHAC nunca deixaram de enfatizar a necessidade da ação direta para a libertação animal, mesmo quando o resto da nação estava obcecada com a Al Qaeda; a mobilização histórica em Little Rock aconteceu apenas um mês e meio após os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono. Independente do que aconteceu em Nova York ou no Afeganistão, eles enfatizaram que lá, naquele exato momento, haviam animais sofrendo, que poderiam ser poupados, caso as pessoas tomassem umas poucas atitudes concretas. Se organizadores de outros círculos fossem capazes de manter esse foco e urgência, a história poderia ter tomado outros rumos no começo desta década.

É possível também, que com outras formas de organização estando em baixa, a SHAC tenha ganho mais participantes do que em um cenário onde outras campanhas de ação direta tivessem mantido seu ritmo. Em contraste com as massivas ações simbólicas do movimento anti guerra, a campanha SHAC era um caldeirão de experimentações, onde novas táticas eram constantemente testadas. Para entusiastas da ação direta preocupados em maximizar esforços – ou apenas cansados de serem tratados como mais um número na estimativa de participantes da multidão, isso deve ter sido sedutor.

Seja qual for o motivo, a SHAC foi capaz de manter seu fôlego até que a repressão federal finalmente começou a ser um peso. Diferente de muitas campanhas, que desapareceram por atrito ou cooptação, foi necessário todo o maquinário do estado para conter seu avanço.

Repressão

Todas as conquistas da SHAC vieram com um preço. Quanto mais empresas abandonavam seus negócios com a HLS, mais a campanha chamava atenção das agências de repressão e de think tanks da direita. Os organizadores da SHAC, no geral, não eram tipos facilmente intimidáveis; era comum que quem participasse da campanha fizesse piadas sobre todos as acusações haviam acumulado e quão pouco isso importava, pois se fossem processados, não teriam dinheiro algum para ser confiscado.

Os governos dos Estados Unidos e do Reino Unido elevaram o risco constantemente ao longo dos anos, botando ativistas sob vigilância, atingindo-os com processos, impedindo suas tentativas de levantarem fundos, intimidando organizações como o PETA a não se comunicar com eles, passando novas leis contra manifestações em bairros residenciais, e derrubando seus websites. Nos EUA, isso culminou no julgamento dos chamados “Sete da SHAC”: seis organizadores e a própria organização SHAC USA. Em 26 de Maio de 2004, Lauren Gazzola, Jake Conroy, Josh Harper, Kevin Kjonaas, Andrew Stepanian, e Darius Fullmer foram acusados de vários crimes federais, por seus supostos papéis na campanha. Times de agentes do FBI, com armaduras de combate, invadiram as casas dos acusados nas primeiras horas da manhã, apontando armas e ameaçando a eles e seus animais de estimação, algemando seus familiares. Segundo os documentos do FBI, a investigação que levou as prisões, foi a maior de 2003; as gravações das ligações interceptadas superavam em 5 para 1, o volume do segundo caso mais extenso.

Os acusados foram todos indiciados por violar o Animal Enterprise Protection Act, uma lei controversa que pretendia punir qualquer um que impedisse uma empresa de lucrar com a exploração animal; alguns foram acusados de violar direitos de privacidade e outras contravenções. Os acusados não foram condenados de participar pessoalmente de nenhuma atividade de ameaça; o governo baseou seu caso na ideia que eles deveriam ser responsabilizados por todas as ações ilegais que aconteceram para avançar a campanha SHAC, independente de seu envolvimento. Eles foram julgados culpados em 2 de Março de 2006, sentenciados a prisão com penas variando de um à seis anos, e foram obrigados a pagar quantias absurdas de dinheiro a HLS.

O julgamento dos 7 da SHAC nitidamente pretendia criar um precedente para ser usado contra quem organizasse campanhas públicas que envolvessem ações ilegais; sua repercussão foi sentida até mesmo na Inglaterra. Em 2005, o governo britânico passou o “Serious Organized Crimeand Police Act” criado especialmente pra proteger empresas que pesquisam em animais. Em 1 de Maio de 2007, após uma série de buscas envolvendo 700 policiais na Inglaterra, Holanda e Bélgica, 32 pessoas ligadas a SHAC foram presas, incluindo Heather Nicholson e Greg and Natasha Avery, alguns dos fundadores da SHAC no Reino Unido. Em Janeiro de 2009, sete deles foram sentenciados a prisão, com penas variando de quatro a onze anos de prisão.

O Futuro da SHAC

Apesar dos contratempos e sérios desafios que encontra nos Estados Unidos, a campanha SHAC continua até hoje. Algumas organizações regionais permanecem ativas, e ações autônomas continuam acontecendo, mas não existe organização em termos nacionais, não existem mais newsletters, nem sites confiáveis para publicizar alvos e reportar ações. Consequentemente existem menos alvos estratégicos e eventos nacionais, o que leva a um menor alcance e dificulta a criação de redes. O ponto positivo é que essa configuração torna mais difícil para as empresas saberem quem precisam intimar judicialmente – mas esse é um ponto positivo bastante limitado.

Esse declínio pode ser atribuído de maneira geral a repressão do governo e de maneira mais específica ao julgamento dos Sete da SHAC. O medo de repercursões legais aumentou ao mesmo tempo em que os principais organizadores foram tirados de ação. Com novas leis locais proibindo piquetes em residências, e o Animal Enterprise Terrorism Act de 2016 tornando ações contra alvos terciários interestaduais ilegais, muitas táticas que antes envolviam baixos riscos hoje não são mais viáveis.

Agora que formas mais públicas de organização estão sendo punidas de maneira mais agressiva, parece possível que a próxima geração de ativistas pela libertação animal irão focar mais em táticas clandestinas. Uma das características mais fortes da campanha SHAC era a combinação de abordagens públicas e clandestinas, então essa não é necessariamente uma boa notícia para o movimento.

É bastante surpreendente que a HLS ainda exista; meia década atrás, organizadores da SHAC deviam estar apostando em já ter vencido a esse ponto. Quando a Stephens Inc. retirou seu investimento, seus empréstimos eram tudo o que mantiam a HLS em pé; foi somente mais uma intervenção do governo britânico que permitiu a HLS negociar um refinanciamento e continuar. Essencialmente, a SHAC venceu, mas teve sua vitória roubada. A mesma situação aconteceu quando a SHAC forçou a Marsh Inc. a retirar sua participação, e HLS foi posta na situação de talvez ter de operar sem os seguros obrigados por lei. Outra vez, o governo britânico interviu, e a HLS obeteve uma cobertura sem precedentes pelo Departamento de Comércio e Indústria. Sem a proteção desse bastião do poder, HLS já teria desaparecido há muito tempo – mas é precisamente pra isso que governos existem: para proteger corporações e preservar a tranquilidade do funcionamento do sistema capitalista. Talvez tenha sido inocente acreditar que os governos dos EUA e da Inglaterra permitiriam que mesmo a mais feroz das campanhas de libertação animal poderia encerrar os negócios de uma empresa influente. Não é possível lutar como se não houvesse manhã indefinidamente, e as reptidas vezes que a HLS voltou dos mortos deve ter sido o suficiente para enlouquecer os organizadores mais antigos da SHAC, que deram tudo de si várias vezes no que sempre pareciar ser o golpe final. Os participantes não tem acordo sobre quão significante foi o fator da exaustão, mas seria tolice desconsidera-lo. A campanha SHAC tem sido orientada como ativismo em tempo integral desde o começo, a mentalidade sendo, como os funcionários da HLS trabalham todos os dias, seus oponentes deveriam trabalhar no m´pinimo com o mesmo afinco. Artigos como “Rotina de Exercícios do SHACtivista” indicam uma abordagem com bastante pressão, que provavelmente se correlaciona com o alto nível de exaustão. Por mais difícil que seja, encontrar diferença entre os efeitos da exaustão do medo da repressão, muitos ativistas se afastaram da SHAC não voltaram a se aproximar de outras campanhas. A SHAC continua ativa no continente europeu e na America Latina, e incansável na Inglaterra. A campanha britânica da SHAC talvez ofereça um melhor modelo de como lidar com a repressão federal; parece que os ativistas britânicos já estavam preparados para isso, com pessoaal pronto para assumir os postos de organizadores centrais, e mais abertos para o envolvimento de novas pessoas. Mas a Inglaterra é mais densamente populada que boa parte dos Estados Unidos e tem uma história mais rica de luta pelo direito dos animais , então é injusto comparar tão de perto as duas campanhas.

A SHAC um dia vai conseguir fazer a HLS fechar as portas definitivamente ? É possível, apesar de que parece menos provável do que parecia alguns anos atrás. Alguns ainda acreditam que o mais importante é fechar a HLS custe o que custar, para obter uma vitória que vai inspirar ativistas e aterrorizar executivos pro décadas. Outros pensam que, a HLS fechando ou não, a SHAC serviu seu propósito, demonstrando a força e as limitações de um novo modelo de oraganização anticapitalista.


Características do Modelo SHAC

Quando as pessoas pensam na SHAC, elas pensam em protestos na frente da casas de empregados e investidos; alguns anarquistas não se referem nada além disso quando se referem ao “modelo SHAC”. Mas manifestações na frente das casas são meramente parte do que permitiu a SHAC aterrorizar a HLS. Para compreender o que fez a campanha ser efetiva, nós precisamos olhar para todas as suas características essenciais juntas.

Alvos secundários e terciários: O objetivo da campanha SHAC era negar a HLS sua estrutura de apoio. Assim como um organismo vivo depende de todo um ecossistema para recursos e relações que o mantém vivo, uma empresa não consegue funcionar sem investidores e pareceiros de negócios. Nesses ternos, mais do que em qualquer boicote, destruição de patrimônio, ou campanha pública, a SHAC confrontou a HLS da maneira mais ameaçadora possível para uma empresa. A Starbucks poderia pagar facilmente dez mil vezes o prejuízo das vidraças quebradas pelos blackblocs durante os protestos de Seattle, mas seria diferente se ninguém repusesse aqueles vidros, ou se os vidros quebrados fossem das casas dos investidores, fazendo com que ninguém investisse na empresa, essa seria outra história. Os organizadores da SHAC aprenderam as maquinações internas da economia capitalista, assim atacavam de modo mais estratégico.

Alvos secundário e terciários funcionam pois os alvos não tem um interesse tão firme em continuar seu envolvimento com o alvo primário. Existem outros lugares para onde eles podem levar seus serviços, e não há nada que os impeça. Esse é um aspecto vital para o modelo SHAC. Se uma empresa está sendo pressionada, ela irá lutar até a morte, e nada além da força bruta que cada parte é capaz de exercer sobre a outra fará diferença; o que não tende a ser vantajoso para os ativistas, já que empresas podem acionar a polícia e o governo. É por isso, que exceto pelo incidente com os cabos de machado, tão poucos esforços na campanha SHAC foram direcionados a HLS em si. Em algum lugar entre o alvo primário e as empresas associadas que provém sua estrutura de apoio, parece haver um nervo exposto, onde a ação se torna mais efetiva. Pode soar estranho agir contra alvos terciários que não tem conexão direta com os alvos primários, mas incontáveis consumidores da HLS cortaram relações após um de seus clientes sofrer algum constrangimento.


• Relacionamento de apoio entre ações públicas e clandestinas: Mais do que qualquer outra campanha de ação direta na história recente, a campanha SHAC alcançou uma simbiose perfeita entre organização públicas e ações clandestinas. Para esse fim, a campanha era caracterizada por um uso bastante sofisticado da tecnologia e networking moderno. Os sites da SHAC disseminavam informações sobre alvos e ofereciuam um fórum para relatos de ações para aumentar a moral e as expectativas, permitindo que qualquer um simpático aos objetivos da campanha pudesse contribuir, sem chamar atenção para si.

Diversidade de táticas: Ao invés de botar um tipo de tática contra a outra, a SHAC integrou todas as táticas possíveis em uma campanha, onde cada abordagem complementava a outra. Isso significava que seus participantes podiam agir dentro de uma gama ilimitada de opções, o que manteve a campanha acessível para um público amplo e preveniu conflitos desnecessários.


• Alvos concretos, motivações concretas: O fato de que haviam animais específicos sofrendo, cujas vidas podiam ser salvas por ação direta específica, tornou essas questões concretas e deu a campanha um senso de urgência que se traduziu em uma vontade de alguns dos participantes de arrancarem a si mesmos de suas zonas de conforto. Do mesmo modo, a cada conjuntura na campanha SHAC, haviam objetivos intermediários que podiam facilmente serem alcançados, assim a tarefa monumental de enfraquecer toda uma empresa nunca pareceu algo grandioso de mais. Isso contrasta drasticamente com o modo como o impulso de certos círculos do anarquismo verde morreu após a virada do século, quando os objetivos e alvos se tornaram muito vastos e abstratos. Até então era fácil para indivíduos motivarem a si mesmos a defender árvores e áreas naturais específicas, mas uma vez que o objetivo de alguns participantes se tornou “destruir a civilização” e qualquer coisa menorr que isso fosse mero reformismo, se tornou impossível construir qualquer ação significativa.

Vantagens do Modelo SHAC

Quando o modelo criado pela SHAC é aplicado corretamente, suas vantagens são óbvias. Ela atinge corporações onde elas são mais vulneráveis: empresas não fazem o que fazem por terem compromissos éticos ou para manter certa imagem na opinião pública, seu único objetivo é a busca por lucro, e o modelo SHAC foca exclusivamente em trazer prejuízos a empresa. Se tratando da construção e manutenção de uma campanha de ação direta a longo prazo, o modelo SHAC oferece direção e motivação aos participantes, apresentando um modelo para ações menos abstratas e mais concretas. O modelo SHAC contorna o conflito sobre táticas, oferecendo a oportunidade para ativistas com diferentes capacidades e níveis de conforto trabalharem juntos. Ao estabelecer uma ampla gama de alvos, isso dá aos ativistas a oportunidade de escolher a hora, o lugar e o caráter de suas ações, ao invés de estarem constantemente reagindo ao seus inimigos. Acima de tudo, o modelo SHAC é eficiente: em nenhum momento a SHAC USA teve mais do que umas poucas centenas de participantes ativos.

Em contraste com a maiorida das estratégias de organização, o modelo SHAC tem uma abordagem ofensiva. Ela oferece um meio de atacar e derrotar projetos capitalistas bem estabelecidos – tomar iniciativa amais do que apenas responder ao avanlo do poder das empresas. A SHAC não surgiu motivada a impedir a construção de um novo laboratório de testes de animais ou a aprovação de algumas leis, mas para derrotar e destruir uma empresa de testes em animais que já existia há décadas. O modelo SHAC pede e incentiva uma cultura que não apenas celebra a açãod ireta mas que constantemenete age através dela, encorajando os participantes a irem além de seus limites. O que se contrasta drasticamente com os círculos auto intitulados insurrecionários, onde anarquistas façlam muito sobre se rebelar e resistência sem entrar no confronto diário com os poderes que nos oprimem. Ativistas Antiglobalização em Chicago as vezes pediam aos organizadores da SHAC pra puxarem palavras de ordem em seus protestos, por conta da fama que tinham de serem energéticos e confiantes: quem afiou seus dentes na campanha SHAC, se não se afataram totalmente das atividades de ação direta, são euquipados para serem efetivos em um espectro amplo de contextos. Uma vaantagem mais discreta do modelo SHAC é que ele deixa nítido as tenções de classe que geralmente estão abaixo do radar nos EUA. Ativistas de classe média baixa – e de contextos tabalhadores podem considerar confortante usar o pixo como maneira de desafiar executivos ricos em seu próprio território. Isso também expõe os ativistas de uma causa só a suas interconecções com a classe dominante. AO visitar a casa de executivos, é possível descobrir que todas empresas farmaceuticas e de investimentos estão conectadas: todos possuem ações das companhias uns dos outros, eles sentam nas mesmas mesas de diretoria, e vivem e suas idênticas mansões suburbanas em condomínios de muros altos.


Por fim, o modelo SHAC tomou vantagem de oportunidades oferecidas por eventos e comunidaes maiores. Os protestos na frente das casas geralmente aconteciam após uma assembleia ou sjow; o imenso número de potenciais alvos significava que sempre havia algum a não muito distante.

Por muitos anos, protestos da SHAC aconteciam durante a National Conference on Organized Resistance em Washington, DC, e também aconteceram após os protestos anti-biotech na Philadelphia e Chicago.

Algumas vezes essa tática causou conflitos com outros organizadores, não é preciso mais do que duas dúzias de pessoas para fazer um protesto efetivo em uma zona domociliar, então sempre foi muito fácil criar a situação para uma.

A SHAC em si, tende a criar e repercurtir uma subcultura própria, compelta com pontos de referência internis e rituais. Em assembleias e eventos maiores, ativistas comparavam anotações sobre investidores, campanhas locais, e problemas judiciais. Cenas musicais simpáticas ajudaram a financiar organizações e a trazer sangue novo para a campanha. Seria difícil imaginar a campanha SHAC nos EUA sem a cena do hardcore das últimas duas décadas, que constantemente serviu como base social para os militantes dos direitos dos animais. Certamente existem pontos negativos em aproximar tanto uma campanha a uma subcultura da juventude, mas é melhor atrair participantes e fômego de uma comunidade do que de nenhuma.

Falsas Polêmicas

Alguns anarquistas, impensadamente acusaram a SHAC de reformismo. Isso é um absurdo: o objetivo da SHAC não é de mudar a maneira como a HLS conduz seus negócios, mas acabar totalmente com a empresa. É mais preciso descrever a SHAC como uma campanha abolicionista: sendo incapaz de acabar com a exploração animal de um só golpem ela busca alcançar o passo mais ambicioso e plausível dentro deste fim. De forma similar, alguns críticos entediados ridicularizaram os esforços de libertação dos animais com o argumento de que eles seriam “ativistas”, implicando que isso seria algo inerentemente ruim. Os que adotam essa possição deveriam dar uma passo adiante e assumir que eles não se comovem com a opressão de outras criaturas vivas e não enchergam valor em tentativas de encerrar isso – o que quer dizer que, eles dificilmente sejam anarquistas.


Desvatagens e Limites


Falsas acusações a parte, o modelo SHAC têm limitações reais, que merecem serem examinadas.


Primeiro, existem alguns pré requisitos sem os quais ela irá falhar. Por exemplo, o modelo SHAC não pode ser bem sucedida fora de um contexto onde a ação direta seja aplicada regularmente. Todo pensamento estratégico do mundo é inútil se ninguém está de fato disposto a agir. Nos círculos dos militantes pelo direitos dos animais, as questões em jogo eram entendidas como concretas e urgentes o suficiente para participantes serem motivados a assumir riscos regularmente; sem essa motivação, a campanha SHAC não teria saído do chão. Do mesmo modo, o modelo SHAC não tem poder contra alvos que não dependam de alvos secundários e terciários, ou que tenha um suprimento infinito deles para escolher. Acima de tudo, os alvos secundários e terciários devem ter outro lugar para onde levar seus negócios – o modelo SHAC depende do resto do mercado capitalista oferecendo melhores opções. Nesse sentido, embora não seja reformista, ela também não oferece uma estratégia para combater frontalmente o capitalismo.

Em segundo lugar, por mais eficazes que sejam em termos puramente econômicos, os alvos secundários e terciários põem o local do confronto longe da causa pela qual os participantes estão lutando. Falando e maneira geral, quanto mais abstrato o objeto da campanha, pior para a moral. Muito vitalidade das lutas por eco-defesa nos anos 80 e 90 vem da conexão imediata, visceral, que os defensores da floresta experenciaram com a terra que estavam ocupando; quando o ativismo pelo meio ambiente começa a se mover para terrenos mais urbanos uma década atrás, ele perdeu parte de seu impeto. Talvez seja específico para a campanha SHAC que os participantes sejam capazes de mater sua revolta e audácia mesmo tão longe do objeto de sua preocupação; é arriscado assumir que isso sempre acontecerá em outros contextos.

Exceto por esses desafios, o modelo SHAC talvez seja inefetivojustamente por sua efetividade. É razoável mirar em fechar empresas poderosas, ou o governa sempre irá interceder ? É possível que por se apresentar como uma ameaça para as empresas, em termos econômicos, que o modelo SHAC compre uma briga que não pode vencer. Uma vez que o governo tenha se envolvido em um conflito, é preciso mais que uma rede de militantes para vencer – é necessário todo um movimento social de larga escala, e a abordagem da SHAC sozinha não é capaz de dar origem a algo assim. Nesse caso, a maior força do modelo SHAC é também sua fraqueza fatal.

O tempo dirá se a HLS foi um alvo muito ambicioso; a empresa ainda pode vir a colapsar. Mesmo assim, provavelmente seria inteligente que os próximos a experimentar com o modelo, escolher objetivos menores, e não algo ainda mais ambicioso, já que a campanha SHAC em si, ainda não foi bem sucedida. Talvez um terreno inexplorado aguarde entre fechar lojas de peles específias e tentar fechar a maior empresa de testes em animais da Europa. Isso não quer dizer que o modelo SHAC é inútil caso não resulte no fechamento de seu alvo. As vezes é válido lutar e perdem uma batalha para desencorajar um oponente de começar outra batalha; em outros momentos, mesmo ao perder, é possível ganhar experiência e aliados valiosos. Ironicamente o modelo SHAC talvez seja mais efetivo em recrutar pessoas para organizar ação direta, do que para seu suposto objetivo – precisamente porque, ao contornar o recrutamento e focar em outros objetivos, isso atrai participantes que são sérios e comprometidos.




Mas se o objetivo for trazer mais pessoas a organização de ação direta ao invés de simplesmente fechar uma única empresa, existem desafios relevanetes a serem considerados – por exemplo o alto nível de stress e a propensão ao burnout. Nesse sentido, não é necessariamente uma vantagem que o modelo SHAC ensine ativistas a pensar dentro da mesma lógica que conomistas capitalistas – eficiência, economia, cadeia de comando – ao invés de priorizar as habilidades sociais necessárias para contruir comunidades de resistência a longo prazo.




Assim como, ao focar em alvos secundários e terciários, o modelo SHAC enfatiza e recompensa uma atitude agressiva que é menos vantajosa em em outras situações. Quais são os efeitos psicológicos de longo prazo nos participantes que passaram metade de uma década ou mais, gritando em um megafone na frente da casa de funcionários ? Que tipo de pessoas são atraídas para uma campanha que consiste primariamente em tornar a vida de outras pessoas um pesadelo ? Não podemos deixar de apontar que alguns anarquistas relataram interações frustrantes com organizadores da SHAC.

Considerando o modelo de uma pespectiva anarquista – com qual intensidade a abordagem da SHAC tende a consolidar ou contestar hierarquias ? A segurança necessária para ações diretas clandestinas podem incitar um tribalismo que se intensifica conforme aumente a repressão, impedindo assim a campanha de atrair mais participação justamente quando for mais necessário. Hierarquias informais são um problema em todos tipos de organizaçõesm aqueles que fazem pesquisas geralmente tem uma influência desproporcional sobre a direção da campanha e acabam sendo responsáveis pode tomadas de decisões que tem efeitos no logo prazo.

É possível argumentar que o foco numa só questão e a natureza focada em objetivos práticos da campanha SHAC não age contra outra hierarquia que não a opressão dos animais. Não é segredo que grupos organizados dentro da SHAC foram destruídos por conflitos sobre dinâmicas de gênero e nem todos participantes foram responsabilizados por seus comportamentos. Em uma campanha que enfatiza a sobretudo vitória, isso não é surpreendente – se vencer é o mais importante, é fácil abafar conflitos internos, especialmente com a adição do stress da repressão federal. Inevitavelmente, as pessoas que tiveram más experiências afastam-se da campanha, levando junto as críticas qye outros deveriam ouvir.

Essas prioridades questionáveis também se manifestaram em algumas táticas TASTELESS. Em um caso, um alvo que estava lutando para escapar do alcolismo recebeu uma lata de cerveja com um NASTY bilhete.; em outro caso a calcinha de uma mulher foi roubada e supostamente posta a venda. Utilizar a assimetria de poder da sociedade patriarcal para atingir aliados de alvos que contribuem para a opresssão animal dificilmente serve como exemplo de luta contra todas as dominações.

Existem outras questões éticas sobre utilizar alvs secundários e terciários. É aceitável arriscar aterrorizar ou machucar secretárias, crianças, e outras parte que não estão diretamente envolvidas ? O que separa anarquistas de governos e outros terroristas, se não a recusa de aceitar dano colateral ?

Em essência, o modelo SHAC é uma modelo para uma campanha de coerção, para ser usada em situações em que não há possibilidade de outra forma de resolução de conflito. Isso não entra em conflito com valores anarquistas – quando um opressor se recusa a se responsabilizar por suas ações, é necessário obriga-lo a parar, e isso se estende para aqueles que o auxiliam e incentivam. Mas envolver pessoas que não estão diretamente envolvidas na opressão, é uma área cinza. Quando um organizador expõe um alvo, não há como saber que tipo de ações vão ser tomadas. Talvez o valor de encerrar a opressão animal pese mais que esses ricos e custos, mas anarquistas não deveriam ficar muito confortáveis com esse tipo de racionalização.

Outras Aplicações do Modelo SHAC

Muito têm se falado de aplicar o modelo SHAC em outros contextos, mas poucos desses esforços produziram algo comparável com a campanha SHAC. São necessárias certas reflexões. É válido apontar que parte do hype sobre as possibilidades de aplicação do moelo SHAC vem direto de declarações da HLS, e por isso deveriam ser tomadas com ceticismo. A HLS não está interessada em promover novos métodos de ação direta, mas sim em criar medo o suficiente para que outros membros da classe dominante venham ajuda-los; assim, quando eles dizem que as táticas da SHAC podem ser usadas efetivamente contra qualquer alvo, isso não necessariamente é real. O mesmo vale para análises sensacionalistas de organizações como Stratfor, cujo objetivo primário para ser aterrorizar o público e faze-lo sentir necessidade de consumir a “inteligência” que a empresa vende.


É possível que por conta da campanha SHAC ter se mantido ativa enquanto outras formas de organização se desmobilizaram, que ela tenha exercido uma influência desproporcional na imaginação dos anarquistas, de tal maneira que muitos tendem a imitar o modelo organizacional do modelo SHAC mesmo quando ele não é estrategicamente efetivo. Falhas podem ser tão instrutivas quanto sucessos; infelizmente, como elas são esquecidas mais rapidamente, tendem a ser repetidas de novo e de novo. Por isso, qualquer consideração sobre o modelo SHAC deve ter em mente o exemplo do Root Force.

Root Force surge dos círculos do Earth First! Anos atrás, com a intenção de promover uma campanha no estilo SHAC, mirando a infraestrutura do capitalismo global – um objetivo exponencialmente mais ambicioso que fechar a HLS. Os organizadores pesquisaram as empresas envolvidas em projetos de infraestrutura sensíveis como rodovias transnacionais e usinas elétricas. Foi criado um site para divulgar essas informações e quaisquer ações que fossem realizadas; eventos foram realizados por todo o país para divulgar o projeto. Parecia que todas as peças estavam em seus devidos lugares, e mesmo assim, nada aconteceu.

No começo de 2008, Root Force publicou uma declaração sob o título de “Uma Estratégia Revisada” na qual reconhecia que seus esforços haviam falhado em produzir uma campanha de ação direta efetiva e descreveu suas dificuldaes de tentar inspirar ações contra projetos de infraestrutura localizados a uma distância tão grande que parecem totalmente abstratos.

Root Force não entendeu como campanhas de ação direta ganham fôlego. Tanto a ação quanto a inação, são contagiosos. Se algumas pessoas estão comprometidas o suficientecom uma causa a ponto de arriscarem sua liberdade, outros podem vir a fazer o mesmo; ninguém deseja se isolar, uma estratégia razoável sozinha não é o suficiente para inspirar ações. Uma ação direta séria, devidamente bem publicizado pela Root Force teria valido cem eventos de divulgação.

A campanha da Root Force teve outras falhas. Se o objetivo era simplesmente dar aos participantes algo para fazer, a estratégia foi tão boa quanto qualquer outra; mas se eles tinham esperanças de impedir a construção de qualquer rodovia ou usinas de energia essenciais para a expansão do mercado capitalista, eles teriam de mobilizar muito mais força que a campanha SHAC. Se os alvos que escolheram realmente fossem de importância crítica para os poderosos, o governo teria mobilizado todos seus recursos para os defender. Exageiro na escala é o erro número um dos movimentos de resistência: ao invés de optar por objetivos alcançáveis e lentamente construir através de suas vitórias, os organizadores cavam a própria derrota ao pular diretamente para um embate final com o capitalismo global. Nós podemos lutar e vencer batalhas ambiciosas, mas pra isso precisamos reconhecer de forma realista nossas capacidades.

Outras apordagens inspiradas pela SHAC se caracterizaram pela ênfase nos protestos na frente da casa de alvos. Por exemplo, nos últimos anos, manifestantes anti-FMI e o World Bank têm experimentado com protestos na frente da casa de executivos e financiadores. Em 2006, enquanto Paul Worfowitz era presidente do World Bank, houve uma série de manifestações na casa de sua namorada; eventualmente ela se mudou. Isso não parece ter impactado o FMI no mesmo nível que levantes antiglobalização ao redor do mundo. Sarcasmo à parte, há pouco a se ganhar ao assediar pessoas como Wolfowitz: diferente dos alvos terciários que a SHAC mirava, eles não vão simplesmente levar seus negócios pra outro lugar.

De maneira similar, durante a Convenção Republicana de 2004, alguns organizadores chamaram por protestos com foco em assediar delegados. O risco dessa abordagem é que ela pode retratar o conflito como uma richa mesquinha entre os manifestantes e as autoridades, ao invés de um movimento social que é capaz de atrair participação massiva. Assim como Wolfowitz, delegados republicanos dificilçmente vão se aposentar porque meia dúzia de manifestantes gritou com eles – e mesmo se alguns se aposentassem, eles seriam substituídos instantâneamente. Uma proposta para os protestos na RNC em 2008 envolvia ativistas mirando empresas que prestavam serviços a convenção. Mirar empresas prestando serviços talvez tivesse ajudado a dar fôlego ao que viria, mas é pouco provável que essas ações fossem capazes de privar uma organização tão podersa como o Partido Republicano, dos recursos necessários. O mesmo vale para propostas de mirar nas empreiteiras do ramo de armamentos, servindo o exército dos EUA – pode ser algo excitante para os manifestantes fazerem, mas ninguém deveria subestimar o que seria necessário para fazer uma corporação como a Boeing cortar laços com os militares dos EUA.

Alguns enchergam a Rising Tide e a Rainforest Action Network como campanhas contra o bank of America como parentes da capanha SHAC; essas usaram alvos secundários, embora elas sejam descendentes diretas de campanhas ambientais que a precedem. No fim de 2008, num contexto de caos econômico, Bank of America declarou que estaria deixando de financiar empresas que se envolviam majoritariamente mineração no cume de montanhas. Por mais insincera que essa declaração seja, ela indica que a campanha obrigou o BOA a tomar uma inciativa. Ambientalistas em Indiana obtiveram menos sucesso tentando parar a construção da rodovia I-69 via uma combinação protestos em residências e escritórios, e táticas de ocupação de floresta. Em “A Revised Strategy”, Root Force cita a I-69 como um projeto de infraestrutura essencial; seria interessante ver como o estado responderia caso a luta contra a I-69 tivesse ganho força.

Com tudo isso, não queremos dizer que o modelo SHAC não pode ser aplicado efetivamente, mas enfatizar que ativistas devem ser intencionais e estratégicos sobre onde e como fazê-lo. É provavel que existam situações em que o modelo pode alcançar ainda mais do que foi capaz com a SHAC; sem dúvidas existem outros contextos em que ele pode ser contraproducente.

Repetimos, a campanha SHAC nos EUA envolveu apenas umas poucas centenas de participantes; uns poucos milhares possivelmente poderiam enfrentar um adversário maior. Mesmo forçar o governo a resgatar uma empresa da falência, pode ser considerado uma importante vitória. Até hoje, ainda não sabemos onde serão encontradas aplicações eficazes do modelo SHAC para além da campanha onde teve origem.