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Posted on 2025/12/26 - 2025/12/26 by holasoyp1x0




Uma introdução à teoria da pós-civilização


Margaret Killjoy 2010


Uh, essa tal de civilização foi um troço interessante, não foi? Quero dizer, realmente valeu a tentativa. Nós conseguimos várias coisas com ela: telescópios, cadeiras de roda, a Wikipédia. Mas nós também estamos prestes a exterminar o mundo natural. A ciência, a agricultura, e a especialização fizeram muito para expandir ideias, culturas e comunicação, mas elas fizeram ainda mais pelos genocídios e ecocídios.

Então é chegada hora que todos nós abandonemos este nobre, e fracassado experimento e caminhemos em direção a algo novo.


Premissa Um: Nós Odiamos a Civilização

Esta civilização é, desde sua fundação, insustentável. Ela provavelmente não pode ser recuperada, e mais que isso, não é desejável recuperá-la. Quando discutimos civilização, estamos discutindo a totalidade das estruturas organizacionais do mundo moderno e abordagens à cultura. Estamos falando sobre códigos sociais e legais que ditam comportamentos “aceitáveis”. Estamos falando sobre pulsões de centralização e expansão de impérios políticos e econômicos.

A civilização está destruindo toda vida na terra. É insustentável: economias e sociedades baseadas em crescimento sempre são. A civilização é irredimível: parece haver uma chance infinitamente pequena de que ela abandone o consumo excessivo de recursos e se mova rapidamente em direção a uma existência sustentável. E mesmo que o fizesse, nós não queremos isso. Ela ainda seria uma limitação a nossa liberdade.

A civilização tem sido definida de inúmeras formas, mas nenhuma delas a faz parecer algo bom quando você de fato pensa sobre o assunto. Meu dicionário define civilização como “o estágio de organização e desenvolvimento social humano que é considerado o mais avançado”. Além de ser uma definição quase inútil, ela aponta ao inerente preconceito na civilização. Ela diz: “Nós somos avançados. Vocês são primitivos. Além disso, a história e o progresso são de natureza puramente linear, o progresso só se move adiante, e qualquer desvio deste curso é um retrocesso.”

Outra definição possível de civilização pode ser a que encontramos na Wikipédia, que geralmente oferece um tipo de consenso cultural para certos termos. A Wikipédia descreve a civilização como “uma sociedade definida como uma sociedade complexa, caracterizada pela prática de agricultura e assentamentos em cidades… Comparadas com estruturas menos complexas, membros de uma civilização estão organizados em uma divisão de trabalho e intrincada hierarquia social”. Essa definição também aponta para falhas na civilização. Uma intrincada hierarquia social? Porque nós escolhemos um mundo que suporta esse tipo de merda ?

Derrick Jensen, um teórico anti-civilização (mas não pós-civilização), propôs outra definição útil de civilização: “uma cultura — que é complexa em histórias, instituições, e artefatos — que leva e surge do crescimento de cidades (civilização, vide civil, da civis, significando cidadão, do Latim civitatis, que significa cidade-estado).” O que, é claro, nos leva a perguntar, o que exatamente é uma cidade. Derrick define uma cidade, para o propósito de sua definição de civilização, como: “pessoas vivendo mais ou menos permanentemente em um local em densidade alta o suficiente que exija a importação rotineira de alimentos e outras necessidades básicas da vida”.

E esse, talvez, seja o ponto de tudo isso. Se um lugar exige recursos de outro, tudo está bem enquanto se pode fazer comércio. Mas quando os vizinhos agricultores passam por uma seca e não podem oferecer excedente para o comércio? Aí você tem uma guerra. Ótimo.

Nós odiamos a civilização.

Premissa Dois: Nós Não Somos Primitivistas

Não é possível ou desejável, retornar a um estado de ser pré-civilizado. Entretanto, a maior parte da base do pensamento anti-civilização — um trabalho importante, diga-se de passagem — foi criada por primitivistas. Primitivistas acreditam, em sua maioria, que a humanidade estaria melhor se retornasse a uma forma de vida pré-civilizada. Esta não é uma visão da qual compartilhamos.

Primitivistas rejeitam a tecnologia. Nós rejeitamos apenas o uso inapropriado da tecnologia. Agora, para sermos justos, este é quase todo o uso de tecnologia que nós vemos no mundo civilizado. Mas nosso problema com a maioria dos primitivistas é sobre o bebê e a água da banheira. Sim, a maioria das tecnologias está sendo usada para fins malignos — seja a guerra ou simplesmente ecocídio — mas isso não faz da tecnologia (“a aplicação de conhecimento científico para propósitos práticos”) inerentemente maligna. Só significa que nós precisamos reimaginar completamente como interagimos com máquinas, com ferramentas, e até mesmo com a ciência. Nós precisamos determinar se algo “é útil e sustentável, invés de julgarmos as coisas puramente por seu valor econômico ou militar.

Primitivistas rejeitam a agricultura. Nós rejeitamos a monocultura, que é uma aberração centralizadora, destrói a autonomia regional, força a globalização no mundo, e leva a práticas horrendas como queimadas. Nós também rejeitamos as ideias estúpidas de como alimentar a humanidade, como soltar 6 bilhões de pessoas no mato, para se tornarem caçadores e coletores. Em sua maioria, pessoas pós-civilização abraçam a permacultura: sistemas agrícolas criados desde o princípio para serem sustentáveis em qualquer área em que se desenvolvam.

Primitivistas fizeram um bom trabalho de explorar os problemas da civilização, e nós os agradecemos por isso. Mas, no geral, suas críticas não tem nuance.

Mais que isso, a estrutura social que eles vislumbram, o tribalismo (perceba que, o que nossa sociedade vê como tribalismo é muito baseada numa antropologia falha e eurocêntrica), pode ser socialmente conservadora: o que muitas tribos não tinham em leis codificadas, era sustentado por “costumes” rígidos, e uma geração nascia em um modo de vida quase idêntico aos de seus predecessores.

Nós não podemos, em massa, retornar a um modo de vida pré-civilizado. E honestamente, a maioria de nós não quer. Não nos agrada uma rejeição total a tudo que a civilização nos trouxe. Nós olhamos para frente, não para trás. 

Nós não somos primitivistas.

Premissa Três: Nós Somos Pós-Civilizados

Portanto, é desejável imaginar e criar uma cultura pós-civilizada. Isso é algo que nós podemos fazer aqui e agora, nas instáveis últimas cartadas do jogo da civilização.

Há tantas dicotomias no mundo. O músico amador e o profissional, ambos têm tanto a oferecer, e nós, pessoas pós-civilizadas geralmente cultivamos habilidades especializadas e generalistas. Alguém tem que ser bom em polimento de lentes — e optometria — mas isso não significa que você não deveria ser capaz de cozinhar uma refeição decente, ou ajudar com a horta do seu vizinho.

Uma das maiores falhas da civilização é sua tentativa de homogeneizar uma cultura global, para espalhar um conjunto de ideias de como tudo — da governança, a arquitetura, até a música — deve ser feita de forma “apropriada”. Mas se você construir casas de telhados chatos em climas frios, a neve vai se acumular  e seu telhado vai cair. Se você derrubar árvores na costa de uma colina, do mesmo modo como faz nos vales, seu solo vai erodir.

Então, nos movemos em direção à pós-civilização — com ou sem o colapso industrial — é uma questão de olhar ao redor de si, da sua comunidade, do seu solo, e determinar o que é apropriado. O que isso significa é que, no aqui e agora, há partes da cultura civilizada que podemos utilizar para nosso benefício, que talvez não possamos usar uma ou duas gerações após o colapso. Para os que estão no primeiro mundo, nosso recurso mais abundante é o lixo.

Comida boa pode ser resgatada. Comida estragada pode ser compostada e usada para construir canteiros suspensos sob o solo venenoso das cidades. Papel em branco em um ou dos dois lados, pode ser costurado em um caderno. Outros papéis podem virar polpa em um liquidificador, espalhados em telas, e pressionados por um macaco hidráulico reproprositado. Animais mortos em atropelamentos podem ser esfolados e carneados. Brinquedos elétricos podem ser reciclados, suas placas de circuitos e motores, repropositados. O óleo vegetal usado pode ser recolhido de caixas de gordura e usado para moer nossos carros ou mesmo nossos geradores.

E os críticos vão dizer que isso não pode funcionar para sempre, e eles vão nos olhar confusos quando nós balançarmos nossas cabeças, concordando. Pois nós vamos nos adaptar com as mudanças do cenário, pois o que funciona em um momento ou local pode não funcionar em outro.

 A civilização pensa que a cultura naturalmente vai do civil ao selvagem, do urbano para o rural. Nós não. 

Nós somos pós-civilizados.

Se Tudo Der Certo

Com o que uma cidade se parece se ela não for mais uma cidade? O conceito de cidade, como uma entidade por si só com fronteiras específicas, governo centralizado, e sua rotina de necessidades importadas, precisa desaparecer. Mas nós não vamos todos nos espalhar pelo interior, ah não.

A cidade pós-civilizada? (Não-cidade? Área urbana? A terminologia ainda é um pouco difícil), pode se parecer com uma cidade se você ignorar seu governo. A sociedade se constituiria de pequenos grupos que mantêm suas identidades individuais mas são capazes de trabalharem juntas por um bem comum.

Nós, pós-civilizados, buscamos comprovar que a descentralização da nossa cultura, economia, e políticas é possível e desejável. Cada pequeno grupo (alguns podem usar a palavra tribo, eu prefiro não) tomaria suas próprias decisões, manteria sua autonomia, e resolveria problemas de forma que atendesse suas necessidades e desejos. Outros podem viver de forma mais simples. Mas as fronteiras entre os grupos muito provavelmente será porosa, com indivíduos, grupos, e famílias se movendo entre esferas sociais. Honestamente, socialmente seria muito como hoje, se você removesse as hierarquias entre grupos e ativamente evitasse a influência centralizadora da cultura civilizada.

Esses grupos eventualmente vão brigar ? Provavelmente. Nenhum sistema é perfeito e é melhor admitir isso logo do que se iludir. Não estamos pintando uma utopia aqui. Mas no passado houveram movimentos que desenvolveram estruturas políticas para permitir grupos com interesses diversos interagissem pacificamente. Um destes movimentos pelos quais somos influenciados, é o sindicalismo.

O sindicalismo é um sistema econômico totalmente fora da dicotomia capitalista/estatal-socialista. Ele sugere que uma federação de sindicatos coletivizados pode promover apoio mútuo entre seus membros. Para um pouco de história sobre quando o sindicalismo funcionou de maneira exitosa em uma nação desenvolvida, pesquise sobre a Revolução Espanhola.

Apoio mútuo, então, é o oposto da competição. A Wikipédia descreve como “o conceito econômico da troca voluntária recíproca de recursos e serviços para benefício mútuo”. Um dos primeiros anarquistas — e biologistas evolucionários — foi Peter Kropotkin, que argumentava contra a sugestão de Darwin de que a natureza é puramente uma guerra de um contra todos. Invés disso, ele argumentava, a cooperação intra espécies é, no mínimo, uma força evolucionária tão relevante quanto a competição. Mais que isso, a ciência moderna finalmente mudou de ideia e começou a acreditar em suas teorias.

Agora, nós também não somos exatamente sindicalistas. Socialismo é uma ideia adorável, mas nós não estamos falando sobre sindicatos, e nós não estamos falando sobre industrialização. Nós deveríamos nos ater aos princípios do anarquismo histórico, tanto quanto deveríamos nos ater ao feminismo de segunda onda, ou, nesse caso, a civilização. Não, estamos falando de um grupo dinâmico de pessoas se reunindo organicamente para tomar as poucas decisões que poderiam impactar a não-cidade como um todo.

Nós estamos falando sobre os steampunks daqui aperfeiçoando destilarias solares pelo uso de lentes Fresnel, enquanto outro grupo de ciclistas entusiastas, de lá, passam seu tempo correndo, fazendo trabalhos de entrega para outros grupos, e forjando bicicletas com canos. Um clique semi-nômade de adolescentes vai se mudar para as florestas dos subúrbios abandonados e criar cabras, enquanto um eremita passa seu tempo cultivando batatas em pilhas de sacos e gravando piano clássico em cilindros de cera.

Alguém vai conectar um Super Nintendo a um painel solar, e pessoas de todos os estilos de vida vão se reunir para jogar Street Fighter; ou só para olhar. Todos nós vamos cultivar a maior parte da nossa comida, e nós todos vamos lidar com nosso próprio lixo, lavar nossos próprios pratos.

O Colapso

E é claro, se tudo der certo, nós vamos superar a civilização da forma mais pacífica e não destrutiva possível. Nos organizando pela base. Apresentando soluções que são tão razoáveis que quem estiver no poder e ainda possuir um mínimo de ética, se une a nós, e os sem ética veem seu poder econômico definhar conforme mais pessoas se recusarem a participar em comércio civilizado. É possível que a única pergunta seja, quem vai colapsar primeiro: a civilização industrial ou a habilidade da Terra de sustentar vida humana.

Se for o caso, então é melhor que tenhamos esperança (ou agirmos) pela primeira opção.

O colapso da civilização industrial, se acontecer, será horrível. Nenhum de nós, nem mesmo os que secreta ou abertamente esperam pelo apocalipse, vai se divertir. Mas ao contrário das mentiras de Hollywood, as pessoas dão o melhor de si em momentos de crise. Nada une mais uma vizinhança do que um apagão; nada faz as pessoas compartilharem mais do que passar por momentos de racionamento de comida. (O quê, você achou que todos nós iríamos estocar toda comida possível e sair por aí com espingardas, matando ou morrendo, vizinhos incendiando um a casa do outro? Nem sempre seres humanos agem assim. Oque você pensa que somos, civilizados?

Mas se a economia não cair, e nós não entendermos como a fusão a frio funciona (assim como a renovação dos oceanos), nós vamos encarar algo muito, muito pior. O colapso ecológico vai estilhaçar o mundo como conhecemos. E se algum de nós sobreviver quando a poeira baixar, nada vai ser o mesmo. Nós precisamos abandonar a civilização assim que possível, antes que ela destrua a todos nós.

Enquanto Isso

Nós não queremos mais sermos civilizados. É hora de seguir em frente. Nós queremos rejeitar hierarquias malucas e economias ilusórias, colonialismo e estados-nação. Mas, acontece que não nos deram a opção de ir embora. A civilização nunca, em momento algum de sua história, deu espaço para os não civilizados florescerem. Chega ao ponto de pensarmos que essa é uma característica fundamental da civilização: a civilização tem tanto medo de estar errada que não é capaz de suportar que alguém viva de outra forma.

E mesmo que nós conseguíssemos de fato ir embora, isso não impediria a civilização e a economia de destruírem a terra.

Mas, vamos ser otimistas aqui por um segundo. O planeta pode morrer ou pode não morrer. A civilização vai cair, ou a civilização talvez não caia. O que nós vamos fazer, aqui e agora, com as nossas vidas?

Eu não quero dizer para ninguém como se envolver na épica batalha para salvar a terra, para destruir a civilização, para prevenir ou promover o colapso disso ou daquilo. Essas perguntas são do tipo que devemos responder por nós mesmos.

Mas eu encorajo que você encontre ou desenvolva um modo de vida pós-civilizado. Por um lado, é fácil. Feche seus olhos e imagine quem você seria fora de qualquer limitação social. O que você faria se dependesse apenas de si mesma, suas amigas, e os recursos que vocês podem encontrar ao seu redor. Como você se vestiria ? O que você comeria? Talvez as perguntas mais importantes sejam mais sutis: como você trataria seus amigos? Como você gostaria de ser tratada?

No aqui e agora, nós adquirimos habilidades para sobrevivermos: como carnear e esfolar, arqueirismo e produção de pólvora. Herbalismo e acupuntura, sim, mas também estudar a aplicação (e produção) de antibióticos, métodos de cirurgia e odontologia. Nós usamos a permacultura, reflorestamos, e reciclamos paisagem urbanas, suburbanas e rurais, aprendendo o que significa ser sustentável num mundo que está morrendo. Nós rasgamos nossos quintais e criamos jardins. É claro, um dia nós vamos destruir o pavimento e deixar apenas ciclovias.

Nós praticamos respostas comunitárias para problemas com nossa subcultura, como, como lidar com abusos físicos e sexuais sem envolver a polícia. Nós aprendemos sobre trauma (quase sempre, do jeito mais difícil) e como lidar com ele. Nós criamos galinhas e patos e nós comemos dentes de leão e junco.

Nós vivemos , o máximo que pudermos, como se a civilização fosse uma tragédia do passado. E isso, mais que qualquer palavra escrita, será nossa propaganda. Porque sim, você pode viver desse jeito. E sim, é melhor. Uma refeição significa muito mais quando você cultiva ou consegue ela por si mesmo, e amigos são muito mais próximos quando são tratados como iguais. Ferais e de fraque, esses somos nós. Quando olhamos o mundo ao nosso redor, nós pegamos o que precisamos e compostamos o resto.

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